Com este artigo, iniciamos uma sequência de fragmentos de Dom Guéranger sobre a liturgia. Essas reflexões do grande Abade de Solesmes são retiradas do prefácio à sua obra magistral e celebérrima ‘O Ano Litúrgico’. Fique claro, no entanto, que, além da tradução, também os títulos, as divisões, os colchetes e as imagens são nossos.
A oração é o maior bem do homem. É a sua luz, o seu alimento, a sua própria vida, porque o põe em contacto com Deus, que é luz (Jo 8, 12), alimento (Jo 6, 35) e vida (Jo 14, 6). Mas, por nós mesmos, não sabemos rezar corretamente (Rm 8, 26); é preciso dirigirmo-nos a Jesus Cristo e dizer-lhe, como fizeram os Apóstolos: Senhor, ensinai-nos a rezar (Lc 11, 1). Só Ele pode soltar as línguas dos mudos e fazer falar as bocas das crianças, e faz esta maravilha enviando o seu Espírito de graça e de oração (Zc 12, 10), que se compraz em ajudar a nossa fraqueza, suplicando em nós com um gemido inefável (Rm 8, 26).
Ora, nesta terra, é na santa Igreja que habita esse Espírito divino. Ele desceu sobre ela como um sopro impetuoso, ao mesmo tempo que aparecia sob o emblema expressivo das línguas ardentes. Desde então, ele fez a sua morada nesta feliz Esposa; ele é o princípio dos seus movimentos; ele impõe-lhe os seus pedidos, os seus desejos, os seus hinos de louvor, o seu entusiasmo e os seus suspiros. Por isso, desde há dezoito séculos, ela não se cala nem de dia nem de noite; e a sua voz é sempre melodiosa, as suas palavras chegam sempre ao coração do Esposo.
Por vezes, sob o influxo do mesmo Espírito que animou o divino Salmista e os Profetas, ela tira dos livros do Antigo Testamento o tema dos seus cânticos; outras vezes, como filha e irmã dos santos Apóstolos, ela canta os hinos inseridos nos livros da Nova Aliança; Outras vezes, lembrando-se de que também ela recebeu a trombeta e a harpa, dá lugar ao Espírito que a anima e, por sua vez, canta um cântico novo (Sl 143); desta tríplice fonte emana o elemento divino a que chamamos Liturgia.
A oração da Igreja é, pois, a mais agradável aos ouvidos e ao coração de Deus e, por conseguinte, a mais poderosa. Feliz, portanto, aquele que reza com a Igreja, que associa os seus desejos particulares aos desta Esposa, acarinhada pelo Esposo e sempre atendida! E é por isso que o Senhor Jesus nos ensinou a dizer ‘Pai nosso’, e não ‘Pai meu’; ‘dai-nos’, ‘perdoai-nos’, ‘livrai-nos’, e ‘não dai-me’, ‘perdoai-me’, ‘livrai-me’. Assim, ao longo de mais de mil anos, vemos que a Igreja, que reza nos seus templos sete vezes por dia e de novo no meio da noite, não rezou sozinha. O povo era a sua companhia e alimentava-se com prazer do maná escondido sob as palavras e os mistérios da divina Liturgia. Iniciados desta forma no ciclo divino dos mistérios do Ano Cristão, os fiéis, atentos ao Espírito, conheciam os segredos da vida eterna; e, sem qualquer outra preparação, um homem era muitas vezes escolhido pelos Pontífices para se tornar Sacerdote ou Pontífice, a fim de difundir entre o povo cristão os tesouros de doutrina e de amor que ele havia recolhido de sua fonte.
Porque, se a oração feita em união com a Igreja é a luz do entendimento, é também, para o coração, o braseiro da divina Caridade. A alma cristã não se afasta [da Igreja] para conversar com Deus e louvar a sua grandeza e as suas misericórdias, pois ela sabe que a companhia da Esposa de Cristo não a afasta de si mesma. Não faz ela mesma parte desta Igreja que é a Esposa? E não disse Jesus Cristo: Meu Pai, que eles sejam um, como nós somos um (Jo 17, 2)? E quando muitos estão reunidos em seu nome, o mesmo Salvador não nos assegura que está no meio deles (Mt 18, 20)? A alma poderá, portanto, conversar à vontade com o seu Deus, que testemunha estar tão perto dela; poderá cantar como David, na presença dos Anjos, cuja oração eterna está unida no tempo à oração da Igreja.
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